segunda-feira, 28 de maio de 2012

MENSAGEM DE UM PSIQUIATRA!


«Alguns dedicam-se obsessivamente aos números e às estatísticas esquecendo que a sociedade é feita de pessoas.
Recentemente, ficámos a saber, através do primeiro estudo
epidemiológico nacional de Saúde Mental, que Portugal é o país da Europa com a maior prevalência de doenças mentais na população. No último ano, um em cada cinco portugueses sofreu de uma doença psiquiátrica (23%) e quase metade (43%) já teve uma destas perturbações durante a vida.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque assisto com

impotência a uma sociedade perturbada e doente em que violência,

urdida nos jogos e na televisão, faz parte da ração diária das

crianças e adolescentes. Neste redil de insanidade, vejo jovens

infantilizados incapazes de construírem um projecto de vida, escravos

dos seus insaciáveis desejos e adulados por pais que satisfazem todos

os seus caprichos, expiando uma culpa muitas vezes imaginária. Na

escola, estes jovens adquiriram um estatuto de semideus, pois todos

terão de fazer um esforço sobrenatural para lhes imprimirem a vontade

de adquirir conhecimentos, ainda que estes não o desejem. É natural

que assim seja, dado que a actual sociedade os inebria de direitos,

criando-lhes a ilusão absurda de que podem ser mestres de si próprios.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque, nos últimos quinze

anos, o divórcio quintuplicou, alcançando 60 divórcios por cada 100

casamentos (dados de 2008). As crises conjugais são também um reflexo

das crises sociais. Se não houver vínculos estáveis entre seres

humanos não existe uma sociedade forte, capaz de criar empresas

sólidas e fomentar a prosperidade. Enquanto o legislador se entretém

maquinalmente a produzir leis que entronizam o divórcio sem culpa,

deparo-me com mulheres compungidas, reféns do estado de alma dos

ex-cônjuges para lhes garantirem o pagamento da miserável pensão de

alimentos.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque se torna cada vez

mais difícil, para quem tem filhos, conciliar o trabalho e a família.

Nas empresas, os directores insanos consideram que a presença

prolongada no trabalho é sinónimo de maior compromisso e

produtividade. Portanto é fácil perceber que, para quem perde cerca de

três horas nas deslocações diárias entre o trabalho, a escola e a

casa, seja difícil ter tempo para os filhos. Recordo o rosto de uma

mãe marejado de lágrimas e com o coração dilacerado por andar tão

cansada que quase se tornou impossível brincar com o seu filho de três

anos.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque a taxa de

desemprego em Portugal afecta mais de meio milhão de cidadãos. Tenho

presenciado muitos casos de homens e mulheres que, humilhados pela

falta de trabalho, se sentem rendidos e impotentes perante a maldição

da pobreza. Observo as suas mãos, calejadas pelo trabalho manual,

tornadas inúteis, segurando um papel encardido da Segurança Social.

Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque é difícil aceitar

que alguém sobreviva dignamente com pouco mais de 600 euros por mês,

enquanto outros, sem mérito e trabalho, se dedicam impunemente à

actividade da pilhagem do erário público. Fito com assombro e

complacência os olhos de revolta daqueles que estão cansados de

escutar repetidamente que é necessário fazer mais sacrifícios quando

já há muito foram dizimados pela praga da miséria.


Finalmente, interessa-me a saúde mental de alguns portugueses com

responsabilidades governativas porque se dedicam obsessivamente aos

números e às estatísticas esquecendo que a sociedade é feita de

pessoas. Entretanto, com a sua displicência e inépcia, construíram um

mecanismo oleado que vai inexoravelmente triturando as mentes sãs de

um povo, criando condições sociais que favorecem uma decadência

neuronal colectiva, multiplicando, deste modo, as doenças mentais.


E hesito em prescrever antidepressivos e ansiolíticos a quem tem o

estômago vazio e a cabeça cheia de promessas de uma justiça que se

há-de concretizar; e luto contra o demónio do desespero, mas sinto uma

inquietação culposa diante destes rostos que me visitam diariamente.



Pedro Afonso

Médico psiquiatra



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